“Os sentimentos por acaso em minhas mãos.”
Então depois de tempos tomou coragem de encostar-se à caneta esferográfica que estava jogada sobre a escrivaninha, arrancou um pedaço de papel e disse que seria suficiente para descrever o que o amor lhe trouxe nos últimos dias. Escreveu uma ou duas frases sem nenhuma dificuldade, e faltou-lhe espaço. Pegou um caderno de rascunhos na primeira gaveta e procurou uma folha qualquer. Ao encontrar decidiu não arrancá-la pois preferiu que ela ficasse ali junto às lembranças rabiscadas para que qualquer dia em que fosse ver novamente seus desenhos encontrasse por acaso um texto bobo e mal escrito. Mas que nada... era um belíssimo texto onde citava os seus sentimentos de forma simples e clara. Mostrava também o que sentia ao ver casais que se formavam e aos poucos criavam compromissos mais sérios, e também os sentimentos que tinha sobre casais que estavam quase, mas não se formavam por taparem os próprios olhos e temerem o futuro.
Largou a caneta por alguns segundos, respirou e a todo o momento lembrava-se de frases de diferentes autores pouco conhecidos. Neste momento de concentração foi a vez de uma frase que contava sobre o ciclo que é a vida e sua relação com o amor ser lembrada. Sorriu, pois era bem disso que queria falar em seu texto.
Então voltou a escrever sobre os seus dias. Criou extraordinariamente um personagem que se logo parasse de ser descrito sairia despercebido, mas não, aos poucos se notava sua presença. Era um menino. Ingênuo. Não tinha nome e não se sabia sua idade. Era novo, isso se percebia facilmente. Mas talvez não tão novo assim, ele já conhecia o amor. O personagem sem querer dava vida às emoções do escritor sem que ele percebesse. Era um personagem em descoberta. Mas logo se foi e nem rastros deixou. Quem era aquela criatura?
Voltou então às suas palavras, sem serem ditas ou citadas por alguém. Faltou-lhe inspiração, e ele então respirou mais forte desta vez e não lhe veio nenhuma frase em mente. Criou a sua própria, e finalizou seu texto, que ficaria ali guardado, até que sem querer ele fosse ler novamente.
Curioso e querendo relembrar seus desenhos, folheou o caderno rabiscado e entre idas e vindas encontrou um que lembrou ao personagem de seu texto. Era ele mesmo, desenhado quando ainda menino no verso de uma folha. Arrancou-a, e quando viu o verso do desenho, lá estava o texto, que fora arrancado sem querer. Agora, o que era para ser encontrado estava colocado sobre suas mãos e fora depois guardado em um lugar onde ele poderia ler todos os dias. E tudo sem querer.
Percebeu dias depois o quão bobo seria deixar entre anotações esquecidas aquele texto que tanto dizia sobre si. Então sem intenção qualquer, por puro acaso respirou, não pensou em nenhuma nova frase, mas sorriu.
