11 julho, 2011

Só este, um único dia.

                A madeira da velha escada range os leves passos de uma visita aflita. A campainha toca uma, duas, três vezes. O cadeado da porta é destrancado e os nós da corrente desatados. Convidou-me para entrar. Logo de cara observei a escrivaninha posicionada estrategicamente ao lado da janela e a cadeira de tecido aveludado logo na frente de uma estante de livros. Por falta de assunto perguntei se havia feito leituras. Respondeu-me que um livro havia sido esquecido nos cantos altos do armário pelos antigos moradores e que a capa lhe chamou a atenção. Eu logo imaginei que a cadeira não estava ali por acaso. A leitura e belas capas sempre lhe interessaram.
                Arrastei a cadeira aveludada para perto do sofá, pedi licença e sentei-me. A mesa de centro com uma toalha branca em cima da poeira dedurou a preocupação em me causar boa impressão. Não disse nada, sabia que não houve tempo para que pudesse arrumar a casa nos conformes, mas isto não me preocupava, a ansiedade em lhe ver era maior.
                Ofereceu-me um gole de vinho. Aceitei. Logo foi buscar no armário da cozinha taças limpas, quase brilhantes. Brilhantes sim, até por que seria de péssima educação entregar-me taças empoeiradas.
                O assunto havia acabado mais uma vez e conclui que a distância pode sim estragar relações. O vinho percorria o sangue e a mente começava se alterar. Perguntas indelicadas finalmente surgiram de sua boca e respostas inquietas da minha. Estávamos embriagados e com desejos apimentados. Minha mente gritou por mais alguns goles e eu não pude resistir, logo disse sobre o meu desejo. Feito. Os olhos se focaram e então as línguas quentes se encontraram. Há tempos não nos beijava-mos. Suas mãos então se se encostaram a meus dedos e acariciaram delicadamente. Não resisti. Os nossos corpos tocavam-se cada vez mais.
                O telefone tocou.  Talvez fosse qualquer ligação ou apenas um aviso de que o vôo de amanhã havia sido cancelado, o que não seria mal. Infelizmente o chamado não era este, era engano, apenas engano. A alegria acabaria sim amanhã cedo como nas outras vezes.
                Sem abalar-se voltou a colocar os lábios nos meus, mas a aflição e o desejo de que o amanhã nunca chegasse tomaram o meu coração. O clima acabara ali. Ao mesmo instante em que o desejo falava mais forte que o tempo, o relógio gritava tic, tac, tic, tac incansavelmente. Sem mais nenhum clima sorri, peguei a minha carteira que estava jogada em algum móvel, fui até o quarto e coloquei-a sobre o criado-mudo, puxei a colcha e deitei-me. Ao menos as cobertas e os travesseiros haviam sido lavados.
                A porta do cômodo entreaberta escancarou-se. Pude ver certo fogo humano entrando por ali. A minha chama ainda não havia sido apagada, somente precisava de repouso para reaquecer. Envolvemo-nos novamente, amamo-nos e o tempo nunca mais passou. Assim estava perfeito. Que não passasse nunca!