10 outubro, 2022

Doce

 Quer ouvir Dirty Paws junto?


Este conto é uma maneira de dizer que costumo revisitar memórias e que, ao acessá-las, percebo que não são mais prazerosas como eram, que são vazias e que, por mais doces que tenham sido, foram as que alimentaram certa amargura.


O molho de chaves sempre é um jogo dos que mais desafiam a minha memória. Abro a porta, acendo as luzes e está tudo na mais perfeita ordem, exceto uma embalagem de Sonho de Valsa esquecida, ou melhor, deixada sobre a mesa de centro cheia de pó. Havia colocado ali  para a qualquer momento recordar daquela manhã, como se eu não tivesse passado pela tortura de lembrar por todos os outros dias.


O doce atraiu fétidos vermes enquanto estava podre. Insetos adentraram sorrateiros a embalagem até que forçassem a matéria se esvair. Movimentaram, destruíram tudo até que finalmente o fizeram deixar de existir e aí, então, nem a gravidade teve mais sentido. 

Do gosto ninguém mais poderá provar. Os bichos deixaram por último a parte que a eles menos interessava, mas não desperdiçaram nada. Esfregaram suas patas e seguiram em frente.

De que me resta remoer as migalhas agora que a farra já foi feita? 

Do açúcar o amargo se serviu e ali mesmo se instalou.


Removo toda a sujeira enquanto noto que para o lixo se vai apenas o que não é doce. Mas permaneço eu, o molho de chaves, todo o restante de poeira e a maldita memória.