10 outubro, 2022

Doce

 Quer ouvir Dirty Paws junto?


Este conto é uma maneira de dizer que costumo revisitar memórias e que, ao acessá-las, percebo que não são mais prazerosas como eram, que são vazias e que, por mais doces que tenham sido, foram as que alimentaram certa amargura.


O molho de chaves sempre é um jogo dos que mais desafiam a minha memória. Abro a porta, acendo as luzes e está tudo na mais perfeita ordem, exceto uma embalagem de Sonho de Valsa esquecida, ou melhor, deixada sobre a mesa de centro cheia de pó. Havia colocado ali  para a qualquer momento recordar daquela manhã, como se eu não tivesse passado pela tortura de lembrar por todos os outros dias.


O doce atraiu fétidos vermes enquanto estava podre. Insetos adentraram sorrateiros a embalagem até que forçassem a matéria se esvair. Movimentaram, destruíram tudo até que finalmente o fizeram deixar de existir e aí, então, nem a gravidade teve mais sentido. 

Do gosto ninguém mais poderá provar. Os bichos deixaram por último a parte que a eles menos interessava, mas não desperdiçaram nada. Esfregaram suas patas e seguiram em frente.

De que me resta remoer as migalhas agora que a farra já foi feita? 

Do açúcar o amargo se serviu e ali mesmo se instalou.


Removo toda a sujeira enquanto noto que para o lixo se vai apenas o que não é doce. Mas permaneço eu, o molho de chaves, todo o restante de poeira e a maldita memória.

20 setembro, 2021

Desague em nós

Quer ouvir Yellow junto?


A gente deveria se preocupar quando está contando as horas pra acalmar o coração. A verdade é que ele não acalma, é maré brava. Me disseram que vivo de ilusão, que sou ser imaginativo. Ora, logo eu? Tão distantes de mim os pensamentos criativos, apenas hora ou outra maquinando os dedos entrelaçados, as mãos no rosto macio, nas madeixas, os sorrisos se reconhecendo em timidez e sincronia. Romântico? Capaz.


Haveria amor no acaso? Ou mera reciprocidade?


O céu descoberto é nossa sina, não é não? Nada mais enérgico e sinestésico que o mundo nu. Olhar pra cima e ver natureza pura encanta enquanto retorno os olhos marejados cruzando aos seus. No céu e nos seus olhos eu vejo futuro, vejo o sinônimo da natureza que desagua quando convém. A chuva, a lágrima. Correr das gotas é uma habilidade que me desfiz, preferi interpretá-las com o coração. Vivê-las, sabe? Voltar encharcado de sentimentos, me secar da solidão e encostar meus lábios no salgado de felicidade que escorre nas maçãs do seu rosto.


A delicadeza dos seus traços me fascina, me encanta a leveza da sua masculinidade combinada ao peso dos seus movimentos. Enquanto levanta, admiro seus ombros largos, e quando se vira, me olha, eu derreto sob a fragilidade.


Como seria o nosso encaixe, hein?!

30 setembro, 2019

Distante e Honesto

Quer ouvir Deitada nessa cama junto?




Eu tenho o melhor namorado do mundo. Hoje a gente conversou sobre terminar. É que fica difícil conciliar alguns planos pessoais com o de casal quando se está longe. Eu estava preparado pra isso, entendia completamente o lado dele porque simplesmente me sentia igual. Dói muito crescer sozinho quando se tem alguém. Cheguei para ele com o coração aberto. Adiamos a conversa até nos convencermos que estávamos ali para isso. “Me diz, vamos terminar?”. Olhos fechados e um beijo. “Eu não sei. Acho que sim”. Eu estava ali para isso, tinha vestido todas as minhas armaduras. O coração inchou como nunca havia inchado. Caiu uma lágrima. Contra toda minha razão “Eu não quero isso. Eu sei que é o melhor, mas esse melhor não faz sentido”. Ficamos algumas horas ali. 

Como viver o fim do mundo, você precisa aproveitar seus últimos instantes intensamente. O meu intenso foi fazer nada. O dele também.

“Eu só queria poder viver os domingos como se fossem domingos com você”. Nossos domingos são agitados, quando bons ainda tem sempre uma viagem embutida neles. Respiramos fundo. Eu não precisei dizer mais nada, todo nosso sentimento era recíproco. “De tantas coisas ruins que poderiam ser, a distância parece ser nosso único defeito. E nem é nosso.” “A distância é o pior defeito que poderia ser.” Pois é. Mas havia muito ali. Muito de nós se reconhecendo e mostrando que não se fez por um fim sem graça. “Eu não quero isso”, eu repeti. Ele secou minhas lágrimas, deu um quarto de sorriso que quase nem apareceu, e repetiu minhas palavras. A gente sabia que não queríamos. “Eu preciso mais de mim”. “Eu te ajudo”. “Eu não acho fácil”. “Eu facilito”. “Queria ser um pouco como você”. “E não é mais fácil tentar estando mais perto?”. Por fim, está bem. De todos os nossos defeitos a distância ainda pode nos aproximar. No tempo dela. Desistimos. Não de nós, mas dessa bobeira toda de não insistir. Permanecemos. Meu sorriso denuncia como estou aliviado e feliz com isso. “Te amo”. E aquele quarto de sorriso. “Muito”. “Eu também”.


04 julho, 2019

Cheiro de você

Sugiro ouvir Intimidade antes!


Escrevo essa composição
no sonhos dos seus deuses
acorda
me dá a mão

Abraça, um afago, um afeto
e quando tá demais
o vizinho bate
no teto

Sorri
pra mim
eu quero sim
você aqui
sorri

Quero uma manhã de alecrim
cheirando banho
capim e lavanda
me assanho

Sou rio sem motivo
como água no riacho
quando encontro o mar
me encaixo

Sorri
pra mim
eu quero sim
você aqui
sorri

Em pensamento eu me lembro
dias atrás
quando eu, você
sonhávamos demais

Um riso exagerado
com dentinho de canjica
nao liga
voce tá do meu lado

13 março, 2019

Fim do Jantar

Quer ouvir Ah! Dor! junto?


Laíse,

Haviam me dito que amar era lindo, mas descobri ser psicopatia. Te envolve, te desembrulha todo até ficar frágil e golpear. Não sobra sequer um suspiro. Você se permite a novos amores, mas acaba ficando selado. O que te sobra é o plano espiritual. 

Te acalenta com ilusões que crê para que a dor passe mais depressa. Assim como o amor, te prometem um futuro melhor.

Costumo crer, querida, nas pessoas. Deixo-me envolver por quem se permite interessar por mim. Confio como se nunca tivesse acreditado em outra pessoa. Mas me entreguei para você. Enquanto me libertei senti o seu coração apertar. Doeu? Pois agora o meu dói. Voe, Laíse, voe.

Para sempre eu. Iago.