11 julho, 2015

"If only I could find a way
To say it like them poets say
Sing a sweet and simple serenade
Directly to your heart"

Acompanhamento para a leitura:
Jacob Whitesides - Words



Você e eu sabíamos que era o melhor lugar onde eu poderia estar e, eu, permaneceria ali o quanto fosse preciso. Mergulhado na placenta conheceria o mamífero que sou sem pressa e na ocasião necessária estaria pronto para viver. No entanto, bastava-me a sua proteção de forma egoísta. Você se cansava, suplicava por coisas das quais nunca teve vontade e mantinha o seu vício longe de mim: por amor. Mantive-me ali por nove meses e no próximo dia nasci. Eu era do mundo e você, sabendo disso, me agarrou com os olhos molhados no instante que se deu conta. Pediu a Deus bênçãos e que ele traçasse os melhores caminhos para eu seguir. Desde então, segurou as minhas mãos em cada passo e me ergueu em todos os tropeços. Talvez você quisesse fazer o papel do ventre, mantendo-me longe de tudo o que eu não precisei.

Algumas noites eu me debatia com medo de monstros ou bichos estranhos que se punham nos meus sonhos e me faziam interromper os seus. O bumbum pra fora não foi problema enquanto dividia comigo um cantinho na cama suada da batalha diária pela sua e, principalmente minha, sobrevivência. Era papel de mãe. Você entupia a colher com aquele xarope ruim e enfiava goela abaixo pra me fazer engordar e manter longe a anemia, e quando eu comia besteira demais você me chantageava.

Você me observava, escondida atrás da porta, montar lego, lavar os carrinhos de brinquedo sem água naquele lava-jato sem graça que não era bem o que eu tinha pedido de natal. Você achava que eu poderia estar louco quando atendia os ursos-clientes da minha pizzaria ou conversava com meus alunos imaginários. Como mãe, você sempre soube da minha personalidade e nunca me comparou ao meu irmão. Éramos diferentes, e da forma mais bonita havia amor pelos dois. E enquanto estivéssemos sós o nosso melhor momento era o abraço. E sempre foi. Eu nunca quis alçar voo e sair debaixo da asa, mas aos poucos fui aprendendo. Eram caronas para a aula das quais, diferente dos demais, eu nunca senti vergonha. E vergonha de quê? Da mulher mais amorosa que conheci? Você poderia fazer tudo por mim.

Então cresci. Aprendi a lidar com sentimentos e separar a brincadeira da realidade. Brincar de bicho apenas como ator, profissionalmente. Chamar atenção agora apenas da minha plateia, e se você estivesse presente o meu esforço deveria ser ainda maior. Compreendi-me como humano e, mesmo confuso, tentava encontrar-me no seu colo.

Cada lágrima na janela e vidro embaçado seguia de um abraço apertado e um “Conte comigo”. Como não contar? Como dizer o que haveria de ser contado? Como deixar de confiar em quem mais acreditei na vida toda? Como mostrar-me compreendido? Soltei o verbo e sofri, não por mim, mas por ver-te engolir azedo a verdade – que aos poucos adoçou - e tornou-se proteção ainda maior. Seu carinho multiplicou e nunca houve dúvida do quanto você é especial para mim.

Hoje somos assim, e não poderia ser melhor. Que dos seus quarenta-e-tantos, vinte-e-tantos tenham sido especiais como foram para mim. E prometo que, enquanto estivermos vivos, serei um orgulho para você como você tem sido para mim.


"But I'm not good with words"